Somos Anjos e Mestres!
Todos nós sabemos alguma coisa que alguém, em algum lugar, precisa aprender e, por vezes, nós mesmos recordarmos.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

"O Animal Satisfeito Dorme"!!!

O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “O animal satisfeito dorme”.
Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais profundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.
A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.
Por isso, quando alguém diz “Fiquei muito satisfeito com você” ou “Estou muito satisfeita com seu trabalho”, é assustador. O que se quer dizer com isso?
Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a ideia de que desse jeito já basta.
Ora, o agradável é alguém dizer “seu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música, etc) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas”.
Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, nos deixa insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, permanece um pouco apoiado no colo e nos deixa absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?
com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.
Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar, emagrecer, etc), ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: Por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.
Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais se é refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.
Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na ideia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse, mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando…
Isso não ocorre com gente, mas com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta e vai se fazendo. Eu, no ano 2013, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado, não no presente.
Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é claro”…

Mario Sérgio Cortella

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

"A Fronteira Entre A Juventude E A Velhice"!!!

Creio que se pode traçar uma fronteira muito precisa entre a juventude e a velhice.
A juventude acaba quando termina o egoísmo, a velhice começa com a vida para os outros. Ou seja: os jovens têm muito prazer e muita dor com as suas vidas, porque eles a vivem só para eles. Por isso todos os desejos e quedas são importantes, todas as alegrias e dores são vividas plenamente, e alguns, quando não vêem os seus desejos cumpridos, desperdiçam toda uma vida. Isso é a juventude.
Mas para a maior parte das pessoas vem o tempo em que tudo se modifica, em que vivem mais para os outros, não por virtude, mas porque é assim. A maior parte constitui família. Pensa-se menos em nós próprios e nos nossos desejos quando se tem filhos. Outros perdem o egoísmo num escritório, na política, na arte ou na ciência. A juventude quer brincar, os adultos trabalhar.
Não há quem se case para ter filhos, mas quando chegam, modificamo-nos, e acabamos por perceber que tudo aconteceu por eles.
Da mesma forma, a juventude gosta de falar na morte, mas nunca pensa nela; com os velhos acontece o contrário.
Os jovens acreditam ser eternos e centram todos os desejos e pensamentos sobre si próprios... Os velhos já perceberam que o fim vai chegar e que tudo o que se tem e se faz para si próprio acaba por cair num buraco e de nada valeu.
Para isso necessita de uma outra eternidade e de acreditar que não trabalhou apenas para os vermes. Por isso existe a mulher e os filhos, o negócio ou o escritório e a pátria, para que se tenha a noção de que o esforço diário e as calamidades têm um sentido.
Assim, uma pessoa é mais feliz quando vive para mais alguém, e não para si só. Mas os velhos não devem fazer disso um heroísmo, que não é. Do mais irrequieto jovem resulta o melhor dos velhos, o que não é verdade para aqueles que já na escola agiam como velhos...

Hermann Hesse



segunda-feira, 10 de agosto de 2015

"Basta De Dizer... Eu Também"!!!

Você chega à festa, encontra os amigos, você está com a maior vontade de contar algo de bom que lhe aconteceu, você espera por sua vez de entrar na roda, tal qual como quando criança a ansiedade subia antes de ser a sua vez de pular a corda estendida, aí você suspira e vai! Conta a sua novidade. Olha em volta, esperando a primeira reação, e ela vem com disfarce de simpatia, quando alguém lhe responde: - “Eu também!”. Mas como assim “eu também”? – “Você não é eu!
Isso que contei é a minha novidade, não a sua”, são os pensamentos imediatos que lhe invadem a cabeça e a turvam de desagrado. Mas você não pode nem reclamar, pois a pessoa do “eu também”, quis ser só simpática, aos olhos dos outros e dela mesma. Tudo então piora.
Tem muito gente que vive no “eu também”. Protegem-se na sua suposta simpatia, até explicam que em grego, de onde surgiu essa palavra, “sim” quer dizer “junto”, e “pathos” quer dizer “paixão”, logo “simpatia” é compartir a paixão. Veja que legal, o “eu também” fica nobremente justificado, quando, no fato mesmo, além da origem da palavra, é só um presente de grego.
E quando alguém sofre um assalto? Aí então, a carga do drama ouriça a turma do “eu também”. Um diz: -“Roubaram o meu carro ontem”. Os outros respondem: eu também, eu também, eu também. E para não ficar no tudo igual, no empate, cada um vai acrescentando um pouquinho de sal, como naquele velho jogo de memorizar o que cada pessoa foi comprar na feira: roubaram meu carro e minha carteira; roubaram meu carro, minha carteira e meu laptop; meu carro, minha carteira, meu laptop e meu relógio; e por aí a desgraceira prossegue, até aquele que conta que foi sequestrado por seis meses em cela sufocante.  Silêncio, finalmente ninguém retruca com “eu também”. Todos ficam constritos e respeitosos no “puxa!”.
Será que é necessário tamanho desgaste para que se possa ser ouvido em sua singularidade? Já está mais do que na hora de darmos um basta à hipocrisia amável do “eu também”.
Não há o que temer na diferença radical de cada pessoa, ao contrário. Uma coisa boa de um psicanalista é que ao menos ali, falando com ele, temos certeza de que não vamos encontrar alguém que nos responda com o cala boca do “eu também”. Engano é pensar que o contrário do “eu também” seja a frieza. Não é não.
É exatamente porque o outro não sou eu, que eu posso amá-lo. Afinal, tem algo pior que você se declarar dizendo: - “Eu te amo”, e ouvir como resposta o triste: -“Eu também”? Ah, não, no mínimo se espera ouvir: -“Eu te amo, também”, o que não é a mesma coisa.

Jorge Forbes

domingo, 9 de agosto de 2015

"O Mundo Da Mentira"!!!

Há realidades difíceis de suportar. Há situações tão dolorosas e tão irreais, embora cruelmente reais, que certas pessoas preferem negá-las, como se com isso pudessem apagar sua existência.
E para fugir desses punhais que rasgam a alma com tanta violência é que muitos preferem se refugiar num mundo invisível, sob uma redoma de proteção que as impedem de ver de perto e enfrentar o que tanto faz mal.
Essas pessoas, ao querer libertar-se de um peso, tornam-se escravas da própria dor. Sem justificativas, justificam-se na recusa da cura, que é o encarar a realidade e vê-la de maneira nova e diferente.
Essas pessoas, julgadas doentes, loucas e insanas são apenas uma pequena porcentagem de um mundo onde negar a realidade é a coisa mais banal que existe. Viver no mundo da mentira não é apenas ter um comportamento exclusivo dos que julgamos loucos.
Vive na mentira quem não aceita o fim de qualquer situação: amores que se desgastaram, filhos que cresceram, uma doença que chegou sem avisar, alguém que foi embora, escolhas que não aprovamos e todas essas pequeninas coisas do dia-a-dia que, pequenas, fazem parte da nossa vida.
Chorar e ficar calado num canto não muda nada do que vivemos, a não ser nos deixar à parte da vida que continua a correr do lado de fora. Fazer-se de cego e surdo não modifica a realidade do que não podemos controlar, nem o que os outros pensam e sentem.
Poderemos evitar os espelhos por algum tempo, mas não os evitaremos a vida toda.
Melhor que ignorar a realidade que nos machuca é pegar o que sobra dela e construir um novo mundo ou uma nova maneira de viver.
Se a chuva nos pega de surpresa, que então nos molhe completamente, que o sol nos seque, que o frio não nos impeça de sair de casa, que o calor não nos impeça de dormir, que a dor doa e parta e que a vida seja inteira, completa e real!

Letícia Thompson