Somos Anjos e Mestres!
Todos nós sabemos alguma coisa que alguém, em algum lugar, precisa aprender e, por vezes, nós mesmos recordarmos.

sábado, 25 de maio de 2013

"Circo das Aberrações"...


É preciso mudar...
É bem diferente a mudança pela mudança daquela consequente do dinamismo, da evolução natural pela qual atravessa a raça humana nesse palco giratório chamado Planeta Terra. Não ignoro, nesta colocação, a possível objeção à minha afirmação de evolução natural... Muitos diriam que está a ocorrer uma involução...
Não chego a tanto! Lembro que a raça humana nem sempre caminhou em linha à frente... Desastres, guerras, tiranias e vilanias se afiguraram, às épocas, como retrocesso, porém propiciaram a fundação de novas bases, novos conceitos, sobre o que é bom e o que é ruim, sobre o belo e o feio, sobre o bem e o mal, sobre o útil e o inútil. Estaremos vivendo um desses períodos?
Num assunto bem mais próximo do meu dia-a-dia, tenho feito afirmação semelhante em relação à música. Amante do jazz, que traz como característica a improvisação, tenho dito que o jazz não requer a improvisação pela improvisação...
Ela (a improvisação) há de resultar, necessariamente, em algo que não fique aquém da composição original, porque se assim for terá fracassado.
Valho-me ainda da música, para traçar um paralelo que me aproxima do cerne da questão que desejo abordar: o músico tem a alternativa de adentrar a um tema já composto, conhecido ou não, ou tentar algo que desde logo se mostre novo, inédito. Neste segundo caso, a meu ver, ele exclui os parâmetros que possibilitam ao ouvinte afirmar se ele está fazendo uma boa ou má improvisação...
Quero com isso dizer que improvisar, para mim, musicalmente falando, a lembrar minha ressalva, significa trilhar de forma diferente uma composição já existente... Quando o músico se propõe a criar algo inteiramente novo, não atrelado a algo já existente, ainda que “de improviso”, já que o termo encerra várias acepções, o processo de criação que se dá é mais livre, menos dificultoso... Não existem parâmetros, não há um campo harmônico pré-definido a ser observado...
Quem irá dizer que aquela nota não era adequada ou que aquele tom não era o certo ou que houve esse ou aquele desvio? O ouvinte pode, sim, expressar seu sentimento ao que foi criado, porém, sem parâmetros de comparação, ficará restrito ao seu gosto, tanto no diz respeito ao sentimento que a criação transmite, como à estética, à técnica e, talvez, até ao estilo... Parece-me mais fácil, “já que tudo é criação”, trilhar-se a segunda linha... De vez que a primeira é muito difícil e passível de críticas...
Essas noções, creio, são suficientes para embasar meu tema principal que diz respeito às mudanças que promovemos em nossas vidas ou pensamos estar promovendo... Aquelas mudanças que chamo de mudanças gratuitas, que não levam a nada, ao desconhecido e que, no mais das vezes, desprezam as experiências já vividas por outrem, as tradições, frequentemente com desprezo pelo óbvio... Mudanças que, não pensadas quanto às suas consequências, resultam no desmantelamento de algo útil... Quando digo útil penso não só em termos individuais como, também, útil à coletividade. Assim mergulham os mutantes em ralos dos mais variados calibres, dificuldades financeiras, não raro em dilemas existenciais que, por mais incrível que pareça, não são percebidos; ou são concebidos pelos mutantes como “consequências naturais da vida”...
Já à soleira do meu tema, reconheço, de antemão, a caoticidade, a precariedade dos conhecimentos que são diuturnamente sobrepostos por novas descobertas e até pelo repensar de antigas ideias sob ópticas diferentes, ditas “novas”.
Todavia, reconheço, igualmente, que “aqueles conhecimentos”, supostamente superados, nem sempre se tornam cem por cento inválidos... Aos olhos de muitos passam a ser, assim como a Idade Média durante certo tempo, considerados “das Trevas”. Com a diferença de que a Idade Média veio, posteriormente, ser reconhecida pelo seu valor histórico e desenvolvimento científico, um período em que se fundaram as bases para muito do que ao depois veio a ocorrer nas chamadas Idades Moderna e Contemporânea.
Adentro ao átrio para afirmar o quanto deploro as mudanças que, muito mais do que acompanhar tudo o que foi colocado, devidamente consideradas as implicações que efetivamente as exigem e demandam, decorrem das fraquezas de espíritos que se deixam levar pelos modismos, pelas superfluidades. Não se considere aí “espírito” com qualquer acepção religiosa, mas sim a firmeza de caráter, de opinião, de perseverança, honestidade, hombridade, etc...
Há, por certo, uma miríade de apelos comerciais, midiáticos, para que as pessoas promovam mudanças... Elas representam consumo... Circulação de dinheiro...
Ah! Esse imperador que se sobrepõe aos mais nobres interesses... Assume ares únicos ao se pensar que sem dinheiro, não se constrói escolas, hospitais, segurança, evolução tecnológica... Alimentos, indústrias... Muito dinheiro!... Porque senão não sobra os dez por cento para se fazer tudo isso... Ares que carregam moléculas de cobiça, ganância, individualismo, cujos prótons e nêutrons movem iates, produzem champanhes, joias, roupas da alta costura, relógios que mostram as horas por centenas de milhares de dólares, as mesmas horas que os “batatões” e “cebolinhas” dos nossos avós mostravam...
Mudanças que fizeram da ostentação um modelo de vida onde a educação, que não seja confundida com a informação escolar, pouco importa... Onde a honestidade e a moral foram relativizadas: é preferível o poder de ostentarem-se roupas, joias, relógios, sapatos e tênis, até homens e mulheres como se objetos fossem (!), ao nome limpo, à moral imaculada... As pessoas já não se tornam inadimplentes pelas vicissitudes da vida, mas pela necessidade de exibirem aquilo que na realidade não podem ter, de sentirem aquilo “que os outros sentem” e, mais do que tudo, de poderem alardear o que na realidade não têm ou não fizeram às suas próprias custas, habilidades, conhecimentos... Mudanças a fim de se praticar paparrotices, bazófias...
E acordamos pela manhã com vontade de “mudar tudo”: os móveis, o fogão, a geladeira, o televisor, a caneta, a cor de nossas roupas, o penteado, experimentarmos aquela nova manteiga, o novo xampu, o novo carro...
Não importa que nos sobrevenham azia, queda de cabelos, insolvência financeira... Mudar até de amores... Ora! O que são os sentimentos dos outros comparados aos nossos desejos de mudança?
Mudar de ares! Viajar... A indústria do turismo, inaugurada nos anos sessenta do século passado, que passou a oferecer à classe média americana, abastada pelo surto econômico dos chamados “anos de ouro” da economia norte-americana, e se perpetuou como “uma necessidade”... Meu sonho de consumo é ir à Grécia, comer mezes e kebap, quebrar os pratos aos goles de ouzo ou tsipouro... Depois adentrar à Letônia, visitar a fábrica da Stolichnaya, bebê-la ao som dos copos sendo quebrados e voltar, para cá, para refletir sobre a grande bobagem que terei feito... É bem mais fácil do que mudar a paisagem, plantar um canteiro de flores à frente da casa, uma árvore nos fundos, abstrair-se na beleza do pássaro corriqueiro que todo dia pousa em nosso quintal, nas corridinhas e gritinhos das crianças a brincar na pracinha ao lado... Mais agradável do que sentar-se ao computador e refletir o que poder fazer, dizer, escrever para despertar o tão necessário senso crítico... Precisamos de milhões de cerejeiras de um jardim japonês para nos maravilhar... De mares e oceanos que se percam de vista para relaxarmos... De drinques sofisticados com guarda-chuvinhas de papel ao topo, servidos por um solícito garçom, para nos embebedar... De mulheres fenomenais, “mulheraços” em deshabillés fantásticos e homens lindos, “sarados”, em cuecas de cetim: os corpos normais, desnudos, tornaram-se tão óbvios e fora de moda que já não despertam mais desejos...
Com bem menos frequência pensamos em mudar nós mesmos... Não o penteado, a roupa, mas o interior, o saber, a educação, a moral, a índole... Curioso... Quando me deparo com mudanças dessas estirpes, frequentemente vêm-me à mente as más improvisações, aquelas que resultam em algo muito pior do que o original: “Agora decidi ser eu mesma!”... Diz a pessoa em regozijo à sua iniciativa...
Penso comigo: “abrimos o circo das aberrações e perdemos o cadeado...”
Mas será que mudamos o circo?... Hoje não apresentamos animais... Era uma judiação! Agora os mantemos em zoológicos, a peso de ouro, em ‘habitats’ bem similares aos seus lugares de origem... Contentamo-nos com os espetáculos de judiaria promovidos diariamente por menores, que ateiam fogo nas pessoas, acharcam idosos e mulheres nos cruzamentos...
Mas isto, também, vamos mudar... Vamos estabelecer leis que nos permitam colocar esses menores em zoológicos... Não serão, certamente, zoológicos bem tratados como dos animais que antes estavam no circo que, por certo,  não se reproduzem com a mesma velocidade dos menores infratores... Estes, todavia, vão estar lá porque querem.... Ou queremos nós? Bastava terem tido assistência educacional... Não só eles, mas os pais também... Que já são frutos de uma sociedade que rasgou o lema do “tudo pelo social” e mandou os desafortunados todos pelo “elevador de serviço”... No social ficaram os interesses políticos, demagógicos, econômicos... Principalmente econômicos... Como exigir que os pais deem o que não tiveram?
Mas o que temos com isso? Constatamos AGORA que é preciso mudar... Se vamos fazer como o mau músico, improvisar por improvisar, não tem problema... Afinal o show acaba todo dia, quando se inicia a próxima sessão... Sempre há a possibilidade de se melhorar na próxima sessão.... Que começará hoje, amanhã, depois de amanhã, e terminará em vinte anos... Será que os menores de hoje nos deixarão chegar lá? Bem... Se a lei for aprovada logo e tivermos zoológicos suficientes....
Lembrei-me agora... Temos outro espécimen carente de zoológicos, cujos elementos montam atualmente, sem abrigos adequados, cerca de duzentos e cinquenta mil... São os bandidos desencarcerados ... Mas estamos mudando... Em 1992 tínhamos cerca de setenta e oito presos para cada cem mil habitantes, agora temos duzentos e oitenta e oito; um crescimento relativizado de duzentos e oitenta e nove por cento, enquanto a população do país cresceu vinte e oito por cento no mesmo período... Será que estamos prendendo mais (Não se esqueçam que há mais duzentos e cinquenta mil que deveriam estar atrás das grades) ?... Ou estamos criando mais bandidos?
Será que vamos dar conta de construir e manter tantos zoológicos assim?...
Para os ambos os espécimenes?
E vocês hão de me perguntar: “e o que tem isso a ver com as mudanças do começo do texto? Eu vos digo: “é que os mesmos anseios de mudanças gratuitas, o de ter por ter, o de fazer por fazer, inútil, individualmente e à coletividade, deixando-se de lado o essencial que a mudança “prá melhor” das pessoas, educação, moral e psicologia assistida traria, estão se alastrando; são eles que vêm norteando as ações dos infratores... Eles, tal qual aqueles que se endividaram; perderam os empregos; que não podem, mas fazem, sobretudo com o dinheiro alheio e a corrupção, se julgam no direito de serem iguais... Frutos de nossas mudanças...
Coincidentemente, com o Plano Real... Mudamos de inflação para juros, de água para cerveja lavada, de pão para os petiscos engordurados do boteco da esquina, mas o circo... Ah!... Este continua o mesmo...
Mas é preciso mudar!

L.E.Dinardi