Somos Anjos e Mestres!
Todos nós sabemos alguma coisa que alguém, em algum lugar, precisa aprender e, por vezes, nós mesmos recordarmos.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

"O Homem e as Regras Sociais"


Ainda mais difícil do que aceitar o desamparo da condição humana, é o de nos depararmos com a nossa insignificância cósmica.
Somos um modesto animal, apesar de dispormos de um cérebro de razoável competência, para alguns assuntos ele é bastante inferior ao que supomos - que habita um modesto planeta de um dos bilhões de sistemas solares. E é evidente que nossa vaidade fica bastante ofendida com estas constatações; basta ver a reação de hostilidade desencadeada sobre criaturas como Galileu e Darwin, que nada mais fizeram senão nos mostrar alguns aspectos da nossa insignificância.
Na verdade, não gostamos nem mesmo de pensar em assuntos deste tipo; sabemos que é verdade, mas tratamos de mudar nossa atenção o mais rápido possível para a realidade concreta que nos cerca e, com isto, nos distrairmos destas coisas dolorosas e geradoras de desespero e medo. A insignificância cósmica ofende a vaidade humana, de modo que acredito que isto se transforme em um reforço ainda maior no sentido do indivíduo tratar de obter o destaque social, de se sentir importante e significante ao menos por comparação com outros homens. Acho também que isto explica uma correlação, para mim bem evidente, entre vaidade e inteligência: ou seja, quanto mais lúcido da condição humana (e isto é derivado da inteligência), mais frustrado o indivíduo fica e mais busca remédio para sua dor no destaque social. Ao se sentir mais importante (e isto nem sempre tem a ver com mais útil, mais construtivo) a pessoa se sente menos frustrada;  se sente importante porque é reconhecida por outras pessoas, admirada e invejada por elas. Não é difícil perceber como esta peculiaridade da psicologia humana pode ser mais um importante fator para a determinação dos grupos sociais como nós o conhecemos. Alguns se destacam defendendo as regras do jogo estabelecido; são os governantes, os que detêm o poder; são reverenciados, terão estátuas depois de mortos, serão nome de rua; não são tão insignificantes, ao menos à primeira vista, quanto a grande massa da população, que será lembrada apenas pelos familiares (e ainda assim por muito pouco tempo). Sentir-se-ão tanto mais significantes quanto mais tiverem adeptos, pessoas que pensam como eles, obedeçam às suas falas e lhes sigam; inversamente se sentirão brutalmente ofendidos com as oposições que a eles se façam, pois estas são criaturas que também lidam mal com o desamparo (por isso escolheram o sucesso segundo as regras do jogo existente, sem tentar modificá-las). Outras buscam a significância de um modo mais sofisticado, isto é, defendendo pontos de vista mais de acordo com seus sentidos de justiça pessoal e social. São pessoas que se opõem à ordem social mais igualitária; agem, porém, de uma maneira meio messiânica, se colocando como os salvadores dos oprimidos. Estão em busca, antes de tudo, de um sentido grandioso para suas vidas, coisa que só será alcançado se forem capazes de salvar o seu povo. Compõem-se em grupos minoritários e também tendem para o autoritarismo, pois não toleram divergências de opinião - coisa que bem demonstra a precária construção psicológica destas pessoas. Outros ainda buscam saídas individuais, coisa bastante comum com os de temperamento artístico. Poetas, pintores, filósofos de gênio, músicos, buscam também o destaque social e a significância através de obras que eles pretendem sejam eternas. Mas, como regra, têm vidas bastante extravagantes e costumam ser as criaturas mais coerentes entre o que pensam e o modo como agem (insisto que coerência não implica em não mudar de opinião; a conduta vai mudando junto com as novas idéias). Exercem, como regra, suas vaidades físicas de modo mais direto; vivem em permanente transgressão das regras sociais e chamam a atenção por causa disto. Despertam a admiração e a inveja das pessoas em geral, que adorariam viver desta maneira, mas não o fazem porque não tem coragem.


Flávio Gikovate